Neste mundo material não se pode ser apenas espiritual, mas
não é necessário ser sensual, olhar com sagacidade, não é necessário ter poder
sobre o corpo, cobiçá-lo sem a alma, basta trazer beijos puros de volta dos
lábios que os ungiram, sair da terra possuída e entrar na carne santificada,
moldar existências em mãos com centelhas vestidas de crepúsculos espargindo
flores da montanha que conquistam as enchentes, maiores que pesadelos
milionários e maquiavélicos que abominam o toque aveludado do pêssego, o
encontro carinhoso entre a água e a calha do rio despido, deslizando por entre
seios, penetrando-os, enterrando-se neles, bem fundo, tão fundo que faz calar,
como se fosse tirar um momento da sanidade, e o que poderia tirar momentos de
ternura poderia também tirar uma eternidade de animosidade, e pouco se pode
fazer sem os dois, sem a corda da esperança a qual se pendura, que lança
devaneadores do presente sobre o vão que separa o passado do futuro, deixando
pedras e paus fora do caminho, revelando tudo para Deus e o mundo, entrando em
sintonia como duas cordas afinadas na mesma melodia, amadurecida para aprender
a chorar e amar sem se ferir, para ter desejos instintivos e quase infantis,
procurando por mãos estendidas, por estrelas que explodem, pelo cosmos que
abraça, por papai e mamãe, por proteção contra os tiranos, contra as danças dos
demônios, contra os computadores que aprisionam em noites solitárias, entregando-se
a um entendimento mais intenso, deixando o pêndulo do destino balançar entre
homem e mulher, levando-os e trazendo-os para onde se deseja estar, mesmo
sabendo que nenhum lugar jamais pertencerá a alguém, nem em toda dor, nem em
toda felicidade, mas somente em sonhos, porque sendo eles uma tradução do
despertar da vida, esta é também a tradução
de um sonho.
Alceu Natali